A perda de ecossistemas naturais é uma das maiores causas de emissões de gases-estufa no mundo, contribuindo mais para as mudanças climáticas do que todos os carros, aviões e navios do planeta juntos. Porém, muito menos conhecidos são os efeitos da degradação de áreas que ainda são ocupadas por sua vegetação natural. Descobertas recentes mostram que essa degradação pode gerar enormes emissões de carbono até então despercebidas tanto pelo governo quanto pela comunidade científica. É uma destruição que ninguém vê.
Há mais de 30 anos, sabemos da taxa vertiginosa de desmatamento dos ecossistemas brasileiros, especialmente, da perda de áreas gigantescas na Amazônia. No entanto, entre 2004 e 2014, o desmatamento na região amazônica caiu 83%, o que contribuiu para o Brasil passar da posição de quarto maior poluidor do mundo para o sexto lugar.
Essa boa notícia pode nos dar a falsa impressão de que a batalha está ganha, mas, infelizmente, não é bem as sim. Primeiro, porque todo ano ainda perdemos cerca de 5 mil km2 de floresta amazônica, área quatro vezes maior do que a ocupada pela cidade do Rio de Janeiro. Segundo, porque outros biomas brasileiros, como o cerrado, a caatinga e a mata atlântica, continuam a enfrentar altas taxas de desmatamento. E, terceiro, porque o desmatamento das nossas florestas nativas é apenas parte do problema todo ano, a degradação florestal, causada pela atividade madeireira predatória e por incêndios rasteiros, afeta uma área maior do que aquela desmatada.
Desmatamento e degradação florestal
Antes de prosseguir, é importante entender a diferença entre desmatamento e degradação florestal. Desmatamento é quando a cobertura vegetal de uma área é completamente removida, ou seja, quando a floresta é toda derrubada. Já a degradação se refere ao processo em que a floresta continua em pé, mas tem afetadas negativamente sua biodiversidade e as funções que desempenha, como a capacidade da floresta de armazenar carbono. A degradação pode ser decorrente tanto de eventos naturais (como grandes deslizamentos de terra ou vendavais), quanto causada pela ação humana (como a extração predatória de madeira) e é extremamente difícil de ser monitorada: enquanto uma área desmatada é fácil de se ver devido à completa ausência da floresta que ali existia, o monitoramento da degradação implica olhar dentro da floresta para analisar sua condição.
Apesar de a floresta amazônica ainda estar de pé, pode-se ver que ela é mais baixa e contém mais aberturas do que uma área de mata conservada, o que, por sua vez, afeta a sua capacidade de armazenar carbono. (foto: Jos Barlo)
Dada essa dificuldade de avaliar quais áreas de floresta estão ou não afetadas, os impactos da degradação no carbono ali armazenado eram pouco quantificados e, por isso, a degradação florestal foi continuamente negligenciada em programas governamentais de conserva ambiental e de combate às mudanças climáticas.
Mas como a degradação afeta o carbono armazenado na floresta? Afinal, a floresta ainda está lá, de pé. Aí é que está o engano, porque a floresta que encontramos após eventos de degradação é bem diferente daquela que existia ali antes.
Queimadas e cortes
Vamos pensar, por exemplo, no caso dos incêndios rasteiros que, apesar de não ocorrerem naturalmente, são muito comuns na Amazônia. Produtores rurais, durante a estação seca, queimam, com frequência, suas áreas de pastagem ou de roçado para matar ervas daninhas e preparar o solo para o plantio. No entanto, muitas vezes a queimada escapa de controle e o fogo acaba invadindo outras áreas, como as flores tas localizadas no entorno da área de cultivo.
Quando o fogo entra na floresta, com suas chamas atingindo no máximo 50 cm de altura, ele consome folhas e pedaços de madeira acumulados no solo, assim como queima o pé das árvores ali presentes. Pode não parecer um fogo muito forte, mas, três anos após a sua ocorrência, as florestas amazônicas podem perder quase metade das suas árvores, o que, por sua vez, resulta em uma grande perda do carbono ali armazenado.
Incêndios rasteiros podem não parecer muito prejudiciais à floresta,
uma vez que suas chamas alcançam no máximo 50 cm de altura, mas
as aparências enganam: o fogo causa a morte de até metade das
árvores presentes na área atingida. (foto: Erika Berenguer)
Essa alta mortalidade ocorre porque, ao contrário do cerrado, a vegetação amazônica não tem mecanismos para se proteger dos efeitos do fogo, uma vez que não evoluiu com a ocorrência de incêndios periódicos – estes são iniciados normalmente pela ação humana.
A atividade madeireira predatória também pode levar à morte de grande número de árvores, muito além da cota destinada para comercialização. Isso acontece porque, para retirarse uma tora, temse que, com a ajuda de um trator, abrir estradas no meio da floresta para chegar até as árvores selecionadas para remoção.
A abertura dessas estradas é feita derrubando todas as árvores em seu caminho e, geralmente, inclui a abertura de áreas um pouco maiores, chamadas de pátios, onde as toras serão estocadas. Além disso, durante a derrubada de uma árvore de grande porte, esta, ao cair, acaba levando junto com ela até outras 30 árvores grandes, além de danificar dezenas de árvores vizinhas. Esse processo gera clareiras no meio da floresta que chegam a ter 650 m2, o equivalente a quase três quadras de tênis.
Menos carbono
Mas o quanto exatamente a atividade madeireira predatória e os incêndios rasteiros afetam os estoques de carbono nas florestas tropicais? Guia dos por essa pergunta, nossa equipe passou um ano e meio trabalhando em unidades de conservação e propriedades privadas na Amazônia, medindo os estoques de carbono de 168 áreas de florestas conservadas, florestas exploradas para madeira quando com a incidência de fogos rasteiros.
Pátio madeireiro, local onde as toras de madeira
recém-removida são estocadas. (foto: Jos Barlow)
Nesse, que foi o maior estudo do tipo já feito no mun do, encontramos dados impressionantes: florestas exploradas para madeira armazenam, em média, 26% menos carbono do que florestas conservadas. Essa perda sobe para 41% em florestas onde se realizaram tanto atividades madeireiras quanto incêndios rasteiros.
Ao extrapolar os resultados para toda a Amazônia brasileira, descobrimos que a perda de carbono causada pela degradação florestal equivale a surpreendentes 540 milhões de toneladas de carbono por ano, o que corresponde a cerca de 40% da perda anual de carbono decorrente do desmatamento. Ou seja, a degradação florestal acarreta enorme redução nos estoques de carbono das florestas amazônicas, contribuindo de forma acentuada para as mudanças climáticas.
Nossos resultados não pararam aí: constatamos também uma mudança significativa na estrutura das florestas degradadas. Quando pensamos em florestas tropicais, logo imaginamos árvores grandes e tão altas que é difícil ver o topo, típicas de programas de TV, certo? Essa é a estrutura comumente observada em florestas conservadas.
Média dos estoques de carbono encontrados em 168 áreas
pesquisadas na Amazônia.
No entanto, nas florestas degradadas, essas árvores enormes já não estão mais presentes, e o que encontramos é um grande número de árvores finas e um verdadeiro emaranhado de cipós. Algumas florestas degradadas são tão densas que é difícil ver qualquer coisa a mais de 5 m de distância, e caminhar por elas é quase uma corrida de obstáculos.
Alguns estudos em outras partes do mundo, como no Panamá, mostram que esses emaranhados de cipós ini bem o crescimento de árvores, impedindo, assim, a re generação da floresta. Se esse é o caso dos emaranhados de cipós nas florestas amazônicas degradadas, só pesquisas de longo prazo poderão dizer.
A degradação florestal é um problema sério e que tende a piorar se nada for feito. Atualmente, a exploração madeireira predatória na Amazônia é a regra, não a ex ceção. Já as previsões de mudanças climáticas na região antecipam um futuro mais quente e mais seco, o que favorece a ocorrência de incêndios rasteiros. A combinação desses fatores indica que mais e mais áreas de florestas intactas continuarão a ser degradadas, acarretando mais perdas de carbono, o que por sua vez contribui ainda mais para as mudanças climáticas globais.
Nos últimos 10 anos, o governo brasileiro, a sociedade civil organizada e diversas empresas exerceram um papel fundamental na redução do desmatamento na Amazônia brasileira por meio de iniciativas inovadoras, como as moratórias da soja e da carne (acordos ambientais entre entidades representativas dos produtores, organizações não governamentais e o governo, prevendo medidas contra o desmatamento na região) e diversas operações conjuntas entre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a polícia federal. Agora, está na hora de esses setores, mais uma vez, se organizarem para, juntos, poderem diminuir os efeitos perversos, e muitas vezes críticos, da degradação florestal.
Chegou a hora de todos reconhecerem a destruição que ninguém conseguiu a enxergar e não se pode mais ignorar.
Sugestões para leitura
TABANEZ, A. A. J., ‘Um corte no processo de degradação’, Ciência Hoje, v. 33, n. 196, 2003.
FEARNSIDE, P., ‘A seca e o desmatamento’, Ciência Hoje, v. 54, n. 322
Fonte: Ciência Hoje.