As discussões na comunidade científica sobre a forma como o continente africano se divide em dois continentes foram reavivadas depois de, no dia 19 de março, ter aparecido no Quênia uma gigantesca fissura, que rasgou ao meio um vale e cortou uma estrada importante da região do Narok, no oeste do país.
A enorme fissura, com vários quilômetros de comprimento, tem cerca de 15 metros de profundidade e mais de 20 de largura, mas não é o primeiro fenômeno desse tipo que se manifesta no continente africano. Há dezenas ou centenas de pontos fracos ao longo do chamado Grande Vale de Rift, que atravessa o continente do Chifre da África, na Somália, até Moçambique.
A formação, também conhecida como Vale da Grande Fenda, é um complexo de falhas tectônicas criado há cerca de 35 milhões de anos com a separação das placas tectônicas africana e arábica, e se estende por cerca de 5 mil km no sentido norte-sul, com largura que varia entre 30 e 100 km e uma profundidade de centenas a milhares de metros.
Segundo o jornal local Daily Nation, o Quênia, atravessado pelo Grande Vale do Rift, está literalmente se partindo ao meio, e a profunda fissura de março em Narok “é apenas o começo“.
A fissura apareceu na zona com menor atividade sísmica do país. Segundo explicou ao jornal italiano La Vanguardia a geóloga Sara Figueras Vila, do Instituto Cartográfico e Geológico da Catalunha, “o último tremor importante nessa região aconteceu em 1928, com uma magnitude de 6.9 na Escala Richter”. Desde então, praticamente não houve atividade sísmica, assegura a geóloga.
O aparecimento da fissura sem que tenha ocorrido recentemente nenhum terremoto é um evento inesperado e preocupante. Mas segundo explica ao Daily Nation o geólogo queniano David Adede, o fenômeno poderia ter a ver com atividade tectônica e vulcânica passada na região.
No fundo do vale se encontra o vulcão Suswa. Nas proximidades, Monte Longonot. Os dois vulcões poderiam ser responsáveis por inúmeras falhas vulcânicas ocultas ao longo do território queniano do Grande Vale de Rift.
“Apesar de a fissura ter permanecido inativa no passado recente, do ponto de vista da atividade tectônica, poderia haver movimentos em profundidade que criam pontos frágeis, que se estendem até a superfície”, diz Adede.
“Essas zonas frágeis formam linhas de falha e fissuras que normalmente são preenchidas com cinzas vulcânicas. As fortes chuvas que recentemente assolaram a região poderiam ter levado as cinzas, ajudando a descobrir a fissura”, explica o geólogo.
Mas o fato de a região estar sob em duas placas tectônicas que divergem lentamente em direções opostas teria consequências inevitáveis.
Inevitavelmente, um novo continente
Dentro de 10 milhões de anos, quatro países do Chifre da África – a Somália, metade da Etiópia, o Quênia e a Tanzânia, além de uma parte de Moçambique, irão sem dúvidas se separar do resto do continente africano e formar um novo continente.
O processo, estimam os geólogos, estará concluído em cerca de 50 milhões de anos: a chamada “placa Somali” terá se tornado um continente novo por completo, separada da irmã maior, a “placa Núbia”, por um oceano novo.
Segundo um estudo de 2009, realizado por cientistas da Universidade de Rochester, no Reino Unido, o processo parece ter tido início em 2005, com o aparecimento na Etiópia de uma fissura de mais de 60 quilômetros após a erupção do vulcão Dabbahu. A falha não parou mais de crescer, e mais de uma dezena de novas falhas apareceram.
Desde então, a teoria de que a África vai se dividir em dois continentes ganhou bastante popularidade na comunidade científica, mas nem todos estão de acordo.
Em entrevista recente à NTV Kenya, o sismólogo queniano Silas Simiyu sustenta que a fissura de Narok não é uma falha vulcânica, mas apenas resultado das abundantes chuvas registradas na região. “As camadas de terra assentaram devido às chuvas e encheram os canais subterrâneos de água”, diz o cientista queniano.
Mas Lucia Perez Diaz, do Grupo de Pesquisa da Dinâmica de Falhas da Universidade de Londres, não tem dúvidas. Em termos práticos, as duas placas do continente africano estão se separando, diz a geóloga ao The Conversation. E as fissuras recentes no leste do Grande Vale do Rift são um exemplo de que isso já acontece.
Após um dramático processo, durante 50 milhões de anos, teremos então inevitavelmente algo como a Grande Núbia e o Chifre da África.
Texto e Informações: Zap para Ciberia