Madrugada de sábado 14 de abril de 2018, mísseis tomahalks estadunidenses lançados do Mar Vermelho cruzam os céus de Douma, nas proximidades de Damasco, capital Síria. Era a suposta resposta dos Estados Unidos, França e Reino Unido aos ataques com gás sarin dias antes na mesma região. Rapidamente notícias de repúdio russo e uma possível retaliação foram divulgadas. Putin anunciava o seu apoio ao ditador Bashar al-Assad e que o bombardeio da coalisão ocidental seria respondido rapidamente.
Estava instalada a dúvida, teremos uma nova guerra mundial? Estamos assistindo o retorno da guerra fria? Antes de mais nada é importante entender o contexto dos acontecimentos. Num cenário não muito recente, seria difícil imaginar uma resposta russa tão rápida e, principalmente, com a intensidade com que ela aconteceu.
Putin, líder da Rússia desde de 2000 (com um período como primeiro ministro), tem subido o tom da participação russa no cenário geopolítico mundial. Mas afinal, por que isso tem acontecido? Parte da resposta reside no fato da redução da dependência do país das exportações de gás natural e petróleo para a Europa ocidental (e porque não, também da Europa Oriental). Com fronteiras extensas na Ásia, os russos começam a atender a uma demanda estocada principalmente por gás natural.
É previsto que em dezembro de 2019 comecem as atividades no gasoduto “Força Siberiana”, que levara gás ao território chinês por mais de 4.000 km de extensão. O acordo com os chineses foi costurado pela estatal de capital misto Gazprom. É importante destacar que como uma empresa estatal de capital misto, a Gazprom deve atender a interesses de mercado, o que justifica o foco no mercado asiático.
Por outro lado, os europeus do Oeste e do Leste dependem muito do gás russo, com patamares a 15% a 100% do abastecimento importado da Rússia. Dessa forma, mesmo que haja uma escalada da tensão na Síria, países como a França ainda dependem do gás russo para abastecer suas termelétricas. É interessante notar que o Reino Unido, por sua vez, não apresenta a mesma dependência, uma vez que explora reservas desse recurso natural no Mar do Norte.
Do outro lado do Atlântico, o aumento da produção de gás e óleo de xisto pelos estadunidenses reduziu as expectativas de temor frente à subida de tom dos russos. Com o aumento da produção, cresce a perspectiva de uma breve independência energética, o que tem provido ao presidente Donald Trump maior intensidade na retomada do país como o principal player na disputa geopolítica mundial.
Apesar da geopolítica mundial contemporânea favorecer a maior autonomia de ação, como visto nos últimos acontecimentos na Síria, um conflito de proporções épicas, como no caso das duas grandes guerras mundiais parece no mínimo improvável. Isso porque no mundo atual, com a integração dos mercados um conflito como esse poderia comprometer importantes fluxos comerciais.
Nos dias atuais em que as grandes empresas buscam ampliar seus mercados e contam com participação acionária das mais diversas origens nacionais, um conflito direto entre Estados Unidos e Rússia traria repercussões devastadoras do ponto de vista econômico (e claro, do ponto vista da perda de vidas).
O conflito na Síria parece caminhar para uma resolução direta entre estadunidenses e russos, já que ambos alcançaram uma espécie de linha vermelha existente em termos geopolíticos. Resta saber se essa solução será a melhor para os sírios, cuja a vida (ou a morte) parece esquecida em meio a conjecturas internacionais.